Vou fazer esse boi
A história do bumba-meu-boi em Maringá surgiu com Valdeir Gomes de Sousa. Filho de nordestinos nascido no Paraná, vivenciou a cultura da região desde a infância, que estava presente nas relações familiares e de amizade, na alimentação e no apreço pelas manifestações culturais.
O interesse pelo bumba-meu-boi veio um pouco depois. Valdeir conta que encontrou uma fita que sua esposa Eliana ganhou em uma oficina realizada em Goioerê-PR. “Olhando aquelas fitas, vi a toada do bumba-meu-boi, aquele som das matracas, pandeirão… entrou na alma e fui atrás. Fui conhecer e falei: vou fazer esse boi”.
Então, em 1995, após o processo de pesquisas e estudos, o grupo de bumba-meu-boi foi criado. Na época, Valdeir era tutor de Artes e de Ofícios do município de Maringá, então o boi nasceu como um projeto social, no qual as crianças participavam por até seis meses.
Nessa época, o trabalho era feito na Guarda Mirim, e o pessoal falava que eles eram os ‘anjos do Valdeir’. Então, colocamos o nome do grupo de Anjos da Guarda.
Os anjos do Valdeir
Mas algo mudou em 1997. A turma, que deveria sair do projeto no final do semestre para que novos participantes entrassem, quis permanecer. “A alma do grupo nasceu naquele momento. Os outros vinham e participavam, mas esse pessoal resolveu continuar no processo. Foram crescendo, estudando, pesquisando e confeccionando instrumentos”, explica Valdeir.
Atualmente, o grupo conta com 20 brincantes. Há integrantes que estão desde esse momento marcante de 24 anos atrás.
Um boi em Maringá
A pesquisa do Anjos da Guarda situa-se nos dois bois de matraca: sotaque de pindaré e sotaque da ilha. Os personagens representados são o miolo ou tripa, que é quem “rola” o boi; o caboclo de pena e os brincantes, que representam os vaqueiros e a cultura indígena.
Ele é um boi de origem maranhense, mas é um boi maringaense. Então, ele tem o nosso sotaque, a nossa cara, tem uma vida própria. A base dele é maranhense, mas tem uma identidade local. Não tem como deixar ele alheio à realidade local, senão, não teria vida, seria simplesmente uma cópia. Essa é a diferença.
Brinco boi o ano inteiro!
O nascimento do boi acontece anualmente no mês de junho, em datas próximas ao dia de São João. Já a morte acontece de setembro a novembro do mesmo ano. O retorno acontece após a Páscoa do ano seguinte, quando o novo boi começa a ser preparado.
Aquele boi, aquela personalidade, ela morre. Ele brincou com você o ano todo com você, viveu todas as emoções, as apresentações, viagens, ensaios. Ele morre e, no ano seguinte, vem com outro nome. O boi pode ser o mesmo, mas vem outra personalidade.
A primeira morte do boi do grupo Anjos da Guarda aconteceu em 2010, quando Tião Carvalho (cantor, compositor e produtor cultural) veio à Maringá transmitir o fundamento desse momento, que tem relação com o desapego. Quem fez a ponte entre o mestre e o grupo foi o bumba-meu-boi Estrela da Vila, de Londrina-PR, em 2008. “Apresentaram a gente, e o Tião ficou surpreso: ‘nossa, um boi em Maringá!’ e foi dando apoio para o nosso grupo”, relembra Valdeir.
Valdeir conta que na festa de batizado do boi há um momento muito significativo, que é comer junto. “Como diz o mestre Tião, é preciso alimentar não só a alma, mas o corpo. E a alma se alimenta do convívio e da emoção de estar junto”.
Outro sentimento importante é a vontade de continuar brincando. “Tem aquele que a toada diz: nosso boi morreu, ficou triste meu terreiro, mas ano que vem brinco com o boi o ano inteiro. Nós temos a esperança de brincar o boi no ano seguinte. E isso vale para vida. A gente não para aqui, tá sempre planejando algo mais. E isso nos faz continuar seguindo adiante.”