Vivenciar o maracatu
“Vivenciar o maracatu é estar disposta a aprender com quem veio antes e a construir, na medida do que a gente foi privilegiado, na nossa geração.”
Quem generosamente nos ensina o que é maracatu é Laís Fialho: mulher de axé que integra a liderança do Baque Mulher – Filial Maringá, integrante da Roda do Encanto, produtora cultural e doutoranda em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Consolidado em Pernambuco, o maracatu de baque virado é uma expressão afro-religiosa e uma prática comunitária que se organiza a partir da crença do candomblé e da Jurema Sagrada. “Algumas nações têm mais referências da Jurema e outras menos”, explica Laís.
Do Estado de origem, o maracatu se difundiu para outros locais do Brasil — incluindo Maringá/PR — e também do mundo.
O cortejo
O cortejo real do maracatu é constituído por vários elementos de origem africana, índigena e europeia e originou-se a partir da coroação da rainha e do rei do Congo, prática instituída no Brasil colonial.
Entre os diversos personagens que integram a corte, estão o rei e a rainha, comumente representados pelas lideranças religiosas da comunidade; o caboclo, príncipes, princesas, vassalos e pessoas escravizadas. Há também a dama do passo, responsável por levar a Calunga, representada por uma boneca de cera ou pano, no caso da Jurema.
Na Nação Encanto do Pina, por exemplo, há alas que homenageiam a Jurema Sagrada. Além do cortejo, composto por membros da comunidade representando os personagens, há a presença da bateria.
A rua, o sagrado e os tambores
Em Maringá, a criação e articulação da ‘Roda do Encanto’ — grupo filial da Nação Encanto do Pina — e do Baque Mulher Maringá aconteceu entre 2015 e 2016. Mas, anos antes, um grupo de mulheres da cidade já visitava a comunidade do Bode (Recife – PE) regularmente, que é o território onde o maracatu que reproduzem está. “Fomos criando vínculos afetivos e religiosos com essas pessoas, com essa comunidade, com essa história e com esse maracatu.”
A consolidação da filial maringaense veio a partir da busca por um espaço para aprender e tocar maracatu, mantendo o vínculo com “a rua, o sagrado e os tambores”. A articulação inicial envolveu uma série de campanhas financeiras, como rifas, bingos, feijoadas, que viabilizam a compra de tambores e outros instrumentos.
O grupo foi à rua pela primeira vez em 2017, marcando presença no ato ‘Todas Contra 18’. “Desde então, seguem atuando ativamente junto aos movimentos sociais, culturais e de terreiros, sempre levando o maracatu de baque virado e fortalecendo outras manifestações culturais e de resistência na cidade”.
Pra mim, vivenciar o maracatu é quase tudo na vida. É respirar, é sentir o cheiro, é comer uma comida, é abraçar, é pedir bença, é jogar alfazema no meio da tocada. Enfim, é muita coisa vivenciar o maracatu, não é só tocar ali, na hora que monta o baque. É todo um preparo, um modo de falar, um modo de comer, um modo de respeitar os mais velhos, as crianças, a natureza. Vivenciar o maracatu pra mim é vivenciar o candomblé, a hierarquia, uma busca. É aceitar coisas que não se compreende. É buscar entender o máximo de coisas que eu posso. Vivenciar o maracatu é estar disposta a aprender com quem veio antes e a construir, na medida do que a gente foi privilegiado na nossa geração.
– Laís Fialho
A atuação local dos grupos ‘Roda do Encanto’ e ‘Baque Mulher Maringá’ tem respaldo nas tradições religiosas e culturais da matriz. É a resistência dos grupos pernambucanos que permite que filiais e suas ações multipliquem-se Brasil adentro, portanto, Laís reforça que “a relação dos grupos tem que ser de muito carinho, cuidado, zelo e respeito às nações”.
Durante o ano, os grupos realizam inúmeras atividades abertas ao público, como apresentações e oficinas de maracatu em espaços públicos; fazem palestras sobre maracatu, culturas populares e protagonismo feminino; promovem ações sociais para auxiliar comunidades; e atuam diretamente em movimentos culturais.
Há alguns anos, o Baque Mulher Maringá promove o “Festival Obá Xirê”. Na edição de 2021, a temática do evento foi o protagonismo feminino na cultura afro-brasileira e os fundamentos das casas de axé em Maringá e região. Lideranças religiosas e culturais do ‘Encanto do Pina’ e ‘Baque Mulher’, de Recife-PE, estiveram presentes na cidade para realizar apresentações, oficinas e rodas de conversa junto aos grupos e à comunidade. As fotografias foram realizadas durante o evento.