A intenção da pesquisa
Se olharmos com atenção para os processos de transformação do barro em cerâmica, que se traduzem comumente em utilitários ou acessórios, identificamos um encontro entre geografias, ciências e artes que se misturam durante toda a feitura, traduzidos na maleabilidade e na resistência que vem — ou não —do contato com a água, da temperatura de queima, dos temperos acrescentados e do tempo.
Quem nos guiou nesse percurso foi Aliny Sander e Iuri Dassi, ceramistas que investigam e criam a partir da experiência com os territórios — coletam, testam, temperam, comparam, misturam e brincam com os elementos — para desenvolver peças que contam histórias.
O local da extração do barro — e as características desse ambiente — alteram por completo texturas, cores e resistências. As características do solo não conhecem as fronteiras geográficas e limites estabelecidos entre municípios. Elas se alargam e compõem inúmeras camadas, incluindo as que os olhos não podem ver. E é sobre o barro desta terra “pé vermelho” que vamos conhecer mais.
Mãos que fazem
Em 2016, Alyne e Iuri saíram de Maringá-PR e foram trabalhar com agricultura em Tupã, cidade que fica no interior de São Paulo. Ali, o encontro entre ofícios já que estavam presentes na trajetória de ambos – a agricultura e a cerâmica – trouxe novas possibilidades investigações sobre matérias-primas. “Comecei a aprofundar essa pesquisa dos materiais, porque a gente tinha muitos lugares para conhecer dentro do próprio sítio. E essa relação com a agricultura e com a terra foi se agregando com a cerâmica”.
Caminhos e coletas
As saídas para coletas envolvem um olhar apurado para o solo, como a intenção de encontrar um barro que seja modelável e o contato com as pessoas que moram no local e interagem naquele ambiente.
Essa perspectiva de trabalho veio a partir das próprias pesquisas e também de aprendizados com as comunidades, ainda que estejam fora de uma linha familiar tradicional. “São pessoas que têm essa relação: de coleta, de conhecer o próprio barro, de fazer a própria massa. Investigando essas relações, a gente foi construindo nosso caminho, com a ajuda delas. A gente está fora de uma linha tradicional, mas foi dessas pessoas que a gente foi aprendendo.
“São várias tecnologias nossas que foram desprezadas em detrimento de outros tipos de fazer cerâmica que vêm de fora. E a gente tem pesquisado para trazer questões locais e fazer sentido dentro do que a gente faz.”
A coleta é dar uma caminhada, ir tateando, ir na intuição junto ao conhecimento que já temos de ficar percorrendo esses caminhos. Coletar, sentir. É na questão do tato, do cheiro.
– Aliny Sander
Como a diversidade de argila é muito grande em qualquer lugar, o roteiro de saída pode envolver uma coloração específica, mas é o percurso que vai indicando as possibilidades e usos criativos.
“Às vezes, a gente junta dois barros diferentes e já chega em uma massa ótima para trabalhar. Em outros casos, é preciso fazer um beneficiamento maior para chegar numa qualidade melhor. Perto de áreas de reflorestamento, de mata ciliar, sempre tem afloramento de diversos tipos de barro”, explica Iuri.
Após as coletas, o barro passa pelo processo de beneficiamento, que consiste em peneirá-lo para retirar o excesso de raízes e de pedrinhas. A autonomia no processo de coleta garante as características da paisagem nas peças e colorações únicas.
Por estar coletando seu próprio material, você acaba tendo uma estética, trabalha com uma linguagem de cerâmica que é local.
– Iuri Dassi
O tempo do barro
O caminho da autonomia em relação ao barro ainda é um processo em andamento. Para manter a cerâmica como ofício, por enquanto, é necessário a junção dos barros comerciais aos locais, que são coletados em Tupã ou Maringá. Assim, é possível manter a produção e imprimir características da região às peças.
Nós temos sempre o cuidado de trabalhar com o barro que tem composições minerais parecidas com as características daqui. Pra gente não faz muito sentido descolar esse corpo do barro, desse corpo da cerâmica, da paisagem que me abraça, desse chão vermelho.